quarta-feira, 26 de outubro de 2011

MEC cancela prova do Enem de 639 alunos do colégio Christus, em Fortaleza (CE)

O Ministério da Educação (MEC) cancelou a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 639 estudantes do Colégio Christus, em Fortaleza (CE). A decisão veio após a divulgação no Facebook de provas de um simulado da escola, ocorrido cerca de duas semanas antes do Enem, com questões idênticas apresentadas no exame, que foi aplicado nos dias 22 e 23 de outubro a cerca de 5,3 milhões de estudantes. 

Em nota, o Inep afirmou que vai contatar os alunos que tiveram a prova cancelada e oferecer a possibilidade de refazer o exame nos dias 28 e 29 de novembro, quando a prova será aplicada em presídios. A escola também pode responder na Justiça, caso ela tenha responsabilidade no vazamento das questões.

O Inep também descartou a possibilidade de vazamento, e que cancelou a prova com base nas declarações da direção da escola, de que os itens estariam em um banco interno de questões.

O MEC acionou a Polícia Federal para investigar o caso. Uma das hipóteses é que as questões vazaram pelo pré-teste do Enem, aplicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela prova. Para testar o nível de dificuldade das questões, elas são aplicadas a um grupo de alunos de diferentes instituições de ensino do país. O Colégio Christus foi uma das escolas selecionadas para o pré-teste. Os alunos fazem os itens, devolvem os cadernos, que são incinerados.

Em nota, a escola divulgou que as questões são idênticas, e que elas podem ter ido parar no simulado por sugestões de alunos que realizaram o pré-teste. Segundo a escola, “o colégio mantém vasto banco de questões, construído a partir da colaboração de professores e das sugestões de alunos ou ex-alunos, tendo como única exigência que as questões estejam no estilo próprio do Enem”, e que “o banco de questões do colégio pode ser integrado também por questões provenientes de sugestões dos alunos que realizaram o pré-teste, sem o conhecimento da escola no que diz respeito à origem desses dados”.

Histórico de problemas

O vazamento de questões do Enem aos alunos do Colégio Christus repete um histórico de problemas enfrentados pelo Ministério da Educação há dois anos. Em 2009, a prova vazou nas dependências da gráfica onde era impressa, o que causou o adiamento da prova. No ano passado, o exame teve falhas de impressão e montagem, o que obrigou mais estudantes a refazerem a prova.

Este ano, o MEC teve de realocar 4.500 estudantes em dez locais de aplicação, o que também causou desconforto aos estudantes. 

26/10/2011 11h14 - Atualizado em 26/10/2011 16h05

Estudantes dizem que escola do CE 



antecipou questões do Enem


Apostilas foram distribuídas até 3 semanas antes da prova, segundo alunos.
Diretor diz que examinará o material; MEC nega vazamento e aciona a PF.

Giselle Dutra e Elias Bruno*Do G1 CE

Aluno afirma que apostilas com questões semelhantes foram entregues pelo colégio (Foto: Diana Vasconcelos/G1 Ceará)Aluno afirma que apostilas com questões
semelhantes foram entregues pelo colégio
(Foto: Diana Vasconcelos/G1 Ceará)
Um estudante de 18 anos postou no Facebook nesta terça-feira (25) fotos de cadernos de questões distribuídos pelo colégio Christus, de Fortaleza, antes do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em que afirma conter pelo menos 11 questões idênticas às das provas do último fim de semana. Dois alunos do colégio também confirmaram ao G1 terem recebido o caderno com as questões idênticas às contidas na prova do Enem. O Ministério da Educação afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que "não houve vazamento da prova" e que acionou na manhã desta quarta-feira (26) a Polícia Federal para investigar o caso.
O jovem, que prefere não se identificar, disse ao G1 que recebeu o material de um colega que estuda no Christus, na sexta-feira (21), véspera do Enem. O material não possui logotipo ou alguma outra marca da instituição de ensino. Pelo menos dez questões presentes no material, inclusive com imagens e gráficos, são idênticas às aplicadas nas provas do Enem. “Não tive tempo de ver esse material antes da prova, mas quando saí do Enem vi alunos do Christus dizendo que havia questões idênticas no material”, conta.
Questões do Enem contidas na apostila distribuída a estudantes
Prova do Enem*Questão
Ciências Humanas (prova azul)20 - 36
Ciências da natureza (prova azul)49 - 50 - 56 70 - 87
Linguagens (prova amarela)113
Matemática (prova amarela)154 - 180
Questão similar (prova amarela)32
* Enem teve 4 versões de prova em cada diacom as mesmas questões com numerações diferentes
Na manhã desta quarta-feira, o diretor da escola, Davi Rocha, disse que ainda não examinou o material impresso com as questões semelhantes à prova do Enem. "Ainda não sei se esse material é realmente nosso, mas, se for, vamos esclarecer tudo."
Por volta de 12h15, em novo contato com o G1, Rocha afirmou que as questões batem com o banco de dados da escola de colaboradores da escola e estudantes. Muitos deles participaram de testes de nivelamento do Enem que o MEC aplica para estruturar a prova. Como são muita questões e muitos momentos acredita que os colaboradores podem ter repassado as questões para o banco de dados da escola. Segundo o diretor, os colaboradores pesquisam provas de vestibulares de todo o país, então seria possível que questões tenham conteúdo semelhante.
A assessoria do MEC diz que nenhuma escola pode se apoderar de questões aplicadas em pré-testes do Enem.
Sobre a impressão da apostila sem o logotipo da escola, o diretor não confirmou que o material tenha sido impresso pelo colégio. Fundada em 1951, o Christus é uma das escolas particulares mais tradicionais de Fortaleza e tem 10 unidades na capital cearense. Em seu site, a escola destaca que é primeiro lugar no Enem no Ceará juntando todas as suas unidades.
Em seu perfil no Facebook, a escola postou que ''uma instituição de ensino que tenha profundo conhecimento da TRI - Teoria da Resposta ao Item - e possua vasto banco de questões fornecidas por professores, por ex-alunos e pela conversão de questões do estilo clássico para o estilo Enem poderá ter boa margem de acertos nas avaliações do Enem''.
MEC aciona Polícia Federal
Por meio de sua assessoria de imprensa, o Ministério da Educação afirmou ao G1: "O Ministério da Educação e o Inep (autarquia do MEC que organizou o Enem) continuaram acompanhando o tráfico de informação na rede social mesmo após a aplicação das provas. As informações veiculadas com maior intensidade nesta terça-feira por estudantes de Fortaleza dando conta de que estudantes do Colégio Christus teriam recebido apostilas com questões semelhantes à do exame nos obrigou a revisar todas as medidas de segurança da aplicação da prova de Fortaleza. Não há nenhum registro de problemas de logística, de que nenhum vazamento tenha saído da prova, a prova foi serena".
Ainda afirma o MEC: "Na manhã desta quarta-feira (26), o Ministério da Educação e o Inep, por volta de 7h, dado o grande movimento que circulou na rede social a partir dos estudantes de Fortaleza, acionou a Polícia Federal para investigar as origens da informações". Segundo o Inep, 639 estudantes do Colégio Christus fizeram a prova do Enem.
Ciências da Natureza - questão 87 da prova azul. Em destaque, a mesma questão é vista na apostila do Enem (Foto: Reprodução)Ciências da Natureza - questão 87 da prova azul. Em destaque, a mesma questão é vista na apostila do Enem (Foto: Reprodução)

Dez questões idênticas
O estudante ouvido pelo G1 relatou que, depois de ouvir comentários na escola dele sobre a antecipação das questões, resolveu comparar com a prova do Enem. “Comprovei que no material do outro colégio [Christus] havia questões idênticas as das provas de matemática, ciências e linguagens”, afirma. Dizendo-se indignado, o candidato tirou fotos das questões iguais e postou na internet, o que gerou repercussão nas redes sociais.
Após receber cerca de mil comentários no Facebook, o estudante postou: "Gente, eu sei que é revoltante, é uma das provas mais importantes da nossa vida. Mas cuidado com as palavras, muito aluno do colégio recebeu isso e acertou as questões merecidamente. Vamos esperar também por um esclarecimento da escola antes de fazer julgamentos".
G1 comparou as questões dos quatro livretos da escola com os cadernos Azul, da prova de ciências humanas e ciências da natureza, e Amarelo, da prova de linguagens e matemática, do Enem. Há pelo menos 10 questões iguais e uma similar nos materiais.
Na prova de ciências da natureza, foram detectadas 5 questões idênticas às dos livretos. Em matemática e ciências humanas, são 2 questões iguais em cada um dos testes. Na prova de linguagem, há 1 questão idêntica.
Matemática - questão 154 da prova amarela. Em destaque, a mesma questão na apostila do Enem (Foto: Reprodução)Matemática - questão 154 da prova amarela. Em destaque, a mesma questão na apostila do Enem (Foto: Reprodução)
'Surpresa'Dois alunos do colégio Christus confirmaram ao G1 terem recebido o caderno com as questões idênticas às contidas na prova do Enem. Aluno do curso pré-vestibular, um estudante de 22 anos afirmou que recebeu material de revisão contendo "várias" questões iguais às do Enem duas semanas antes da prova.
"Levei um susto. Na hora, fiz as questões 'no automático', mas queria comprovar para não correr o risco de a resposta ser uma letra diferente do exercício". O estudante preferiu não se identificar por medo de represálias dos colegas que temem a anulação da prova.
Outra estudante, que também não quer se identificar, afirmou que todos os alunos da unidade Nunes Valente, da mesma escola, receberam quatro pequenos livros com 24 questões cada, divididos em ciências da natureza e humanas, linguagens e matemática.
"O professor nos recomendou fazer, dizendo que eram questões possíveis de cair no Enem e que não mostrasse à concorrência, porque enfim... Acho que nenhum colégio diria para mostrar seu material ao concorrente, né?", afirmou.
A jovem relatou que recebeu o material três semanas antes da prova, no início do período de revisão e que achou "estranho" quando percebeu que havia questões iguais às do exercício que recebera. "Fiquei surpresa quando vi, e feliz, claro". Para ela, as questões não eram difíceis, "mas já era garantido".
O Enem teve problemas de vazamento de provas em 2009 e de impressão em 2010, que obrigou alguns milhares de alunos a refazerem o exame.
* Colaborou Paulo Guilherme, do G1 em São Paulo

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Oração do Vestibulando

Vaga nossa que está na universidade,
Azarado seja o nosso concorrente.
Seja correta a nossa resposta
Assim na certeza como no chute.
O cursinho nosso de cada dia pagamos até hoje -
Justificai as nossas despesas.
Assim como nós justificamos na redação dissertativa.
E não nos deixe cair na cola, que é tentação,
Mas livrai-nos da reprovação e do fiscal.
Amém.

Oração do Vestibulando

Obrigado, meu Deus, pela oportunidade que me deste de seguir em frente à busca do conhecimento e da profissionalização.

Estou a caminho do vestibular, juntamente com outros estudantes, que também sonham com uma nova opção de vida.

Inspira-me, ó Deus, para que eu saiba responder com sabedoria e
calma as questões que me forem apresentadas.

Peço-te que ajudes todos os vestibulandos e os abençoe.

Renova a esperança de todos que ainda não conseguiram ingressar na Faculdade escolhida, para que não desistam da luta.

Peço-te ainda que o vestibular não seja o fim único de minha existência, mas um meio de encontrar qual a finalidade de minha vida.

Obrigado Mestre, e faze-me ver o quanto posso ser útil à humanidade, aprimorando os meus conhecimentos.

Senhor, que eu não me frustre se o resultado não for o esperado.

Amém!

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

O Noviço (Martins Pena)

Expansão do comércio e da indústria, urbanização, difusão de ideais de liberdade, associados à recente independência, dão ares de modernidade ao Rio de Janeiro e criam um certo orgulho em ser brasileiro. Orientados pela visão apaixonada do Romantismo, artistas e intelectuais buscam definir a identidade nacional.

Simultaneamente, surge um público, ainda que reduzido, interessado em ver nos palcos não somente peças francesas ou óperas italianas, mas também as histórias brasileiras. É nesse contexto que surge Martins Pena. Diferentemente da poesia e do romance romântico de seu tempo, ele não tratou de modo idealizado as questões da nacionalidade, mas focalizou a sociedade do Segundo Reinado naquilo que ela tinha de inocência e ridículo.

O dramaturgo soube apresentar com graça e simplicidade as intrigas triviais da vida de roceiros, viúvas assanhadas, juízes corruptos, moças casadouras, enfim, espelhava no palco, por meio de tipos caricatos, o cotidiano conhecido do público.

E, nesse espelhamento bem-humorado, punia os maus, premiava os bons, satirizava os poderosos e colocava em prática a ideia já antiga de que é rindo que se corrigem os vícios e se aperfeiçoam as virtudes. "O Noviço" é uma dessas comédias de costumes que, sem rodeios ou sofisticações nas falas e nas situações, apresenta a história de Carlos, rapaz endiabrado, que é enviado a um convento por decisão de sua tia e tutora. Não tendo vocação para a vida religiosa e apaixonado pela prima Emília, Carlos foge do convento e se dedica a desmascarar o ambicioso Ambrósio Nunes, segundo marido de sua tia.

Esse homem viera do Ceará, de posse da herança de sua jovem esposa, Rosa. Na corte aplica um segundo golpe: casa-se com a viúva rica Florência. Com a intenção de tomar para si o dinheiro da segunda esposa, cria um plano: convencer Florência a confinar em um convento o sobrinho tutelado, Carlos, e preparar os filhos, a jovem Emília, e o garoto de nove anos, Juca, para serem religiosos.

Trapalhadas, enganos de identidade, disfarces, encontros inesperados, cartas comprometedoras que vão parar em mãos equivocadas desenvolvem a trama. O trapaceiro Ambrósio, com sua capacidade de seduzir e enganar a inocente Florência, só é desmascarado quando Rosa, a esposa abandonada em Maranguape, chega ao Rio de Janeiro e, de posse da certidão de casamento, consegue um mandado de prisão, ao provar a bigamia do farsante Ambrósio.

Carlos consegue fazer valer a sua vontade de abandonar o noviciado, é perdoado pelas fugas e pelas estrepolias promovidas no convento e declara seu desejo de casar-se com a prima Emília. Ambrósio é levado à prisão, as duas mulheres enganadas sentem-se vingadas, e o Mestre de Noviços abençoa a futura união de Carlos e Emília.

Por que Martins Pena encanta e faz rir há mais de 150 anos? Talvez a resistência e a atualidade do teatro de Martins Pena advenha do talento especial do autor em selecionar com perspicácia hábitos, valores, modos que definem a essência de ser do brasileiro. Mas é inegável que colabora para a perenidade o fato de ainda hoje vermos refletidos nas comédias do comediógrafo problemas crônicos do Brasil. Afinal, não continuamos a reclamar e até mesmo zombar da leviandade no serviço público? Da morosidade da Justiça, dos subornos e dos golpes de espertalhões? É esse universo meio trágico, meio cômico que tem eternizado o teatro da época regencial brasileira.

Ficha
  • Estilo: pertence ao romantismo (foi encenado pela primeira vez em 1845)

  • Gênero dramático: comédia de costumes

  • Personagens: Carlos, Ambrósio Nunes, Florência, Rosa, Juca, Mestre de Noviços

  • Nota introdutória de seu romance Kitty aos 22: divertimento


    Certas coisas que o autor acha que deve dizer

    Reinaldo Santos Neves


    A origem deste romance está num sonho. Sonhei com uma jovem de seus vinte anos: ela sai do carro do namorado - com quem, bem o sei, acaba de se desiludir - e afasta-se na penumbra. É madrugada. O local é ermo e silencioso. Há uma colina com algumas casas e um grande número de árvores que me parecem casuarinas e eucaliptos. Uma ladeira asfaltada leva ao alto da colina. A moça caminha através desse cenário. De repente pára e põe-se, entre surpresa e deslumbrada, a escutar alguma coisa. Eu sei o que ela está escutando: é o silêncio. A moça está fazendo a descoberta do silêncio.

    Esse foi o sonho, e agora vejo o papel que faço nele; é o papel de narrador. A moça é minha personagem. Vem-me ao sonho para que eu tome ciência dela e a tire do sonho e a ponha onde deve ser posta: numa história.

    Silêncio é para mim um fator de interesse pessoal. Concordo com Fellini em que uma das coisas de que este mundo precisa é um pouco mais de silêncio. Comecei, portanto, a pensar nas possibilidades de aproveitar o sonho literariamente. Ora, o que o sonho me deu foi uma única cena de um possível romance. Tive de me virar para descobrir o resto da história e poder contá-la. Fiz, parece-me, o que costumam fazer os paleontólogos que reconstituem o esqueleto de um animal a partir de um único osso: reconstituí o romance a partir de uma única cena.

    Como procedi? A personagem era e havia que ser jovem; o mundo era e havia que ser o mundo dos jovens de hoje. Então procurei-os onde estavam ao meu alcance: nos blogs disponíveis na Internet. Ali fiz meu trabalho de pesquisa e dali extraí informações sobre a minha personagem e sobre o seu mundo: material suficiente para criar o cenário do romance e imaginar a mentalidade dos personagens e para produzir a linguagem narrativa. Batizei a personagem de Kitty - boa parte dos jovens de hoje usa diminutivos em inglês à guisa de apelidos. Daí, Kitty. A gatinha Hello Kitty, portanto, não é causa mas consequência dessa escolha.

    O romance - a que dei o título provisório de Livro do silêncio e o tratamento meio que de fábula - deixou-se escrever sem me criar maiores embaraços. Tendo começado o trabalho em julho de 2005, em outubro já foi possível pôr nas mãos de pessoas do círculo familiar e de alguns amigos uma primeira versão, com outro título provisório - Kitty: Hello, GoodbyeDepois foi só incorporar sugestões feitas por esses leitores prévios e fazer mais duas leituras "autorais" e o livro estava pronto para sair à rua: primeiro romance que publico desde Sueliou seja, desde 1989.

    Aqui apresso-me a esclarecer que a grafia incorreta de certas palavras ditas de baixo calão foi uma opção consciente: pareceu-me que tinha mais a ver com o tipo de narrativa e de narrador. Quanto ao perfil musical da personagem, foi construído se não às cegas certamente às surdas, já que rocknão faz parte do meu mundo. Vitória, que Kitty e sua tribo chamam de Mic, é Vitória, ES, mas sem maior compromisso. Não há, por exemplo, nem na cidade nem no estado, uma universidade católica; da mesma forma, nem sei nem quis saber se já houve nestas paragens algum evento de moda na dimensão do Victoria Fashion Week. Inventei uma coisa aqui, ignorei outra ali, colocando acima de tudo o interesse literário. Também no interesse literário, como tenho feito em outros textos, alterei o nome de ruas de Vitória, porque os nomes que lhes pespegam os vereadores têm o dom de poluir qualquer texto de literatura.

    Nos muitos blogs que tive ocasião de visitar está a fonte principal deste romance. A Internet me deu também algumas informações sobre desfiles de moda e a definição de divertimento, que é a que está na Wikipedia Encyclopedia, muito melhor, pelo menos para os meus propósitos, que a do grave Dicionário Grove de MúsicaE grande parte dos itens de consumo que aparecem no romance encontrei em edições da revista Monet que recebo mensalmente, guardadas que foram como possíveis fontes de pesquisa para trabalhos escolares do meu filho João, de nove anos.

    E, em termos propriamente literários, onde estão as inspirações deste romance? Phil se chama Phil em homenagem a Philip Marlowe, o honesto detetive durão de Raymond Chandler - e, se Phil não é honesto, ao menos é durão, ou assim me pareceu. A mancha no rosto de Bruno é irmã da que desfigura o rosto de Flory, em Dias na Birmâniade George Orwell. E o mito de Cinderela é o mito de Cinderela.

    Ainda sobre Phil, a princípio cogitei confiar-lhe o ofício de narrador da história, mas logo vi que ele não poderia, sem o uso de soluções intrincadas, narrar os muitos episódios de que estaria ausente. Apelei então para a alternativa do narrador na terceira pessoa, mas alguma influência de Phil permaneceu comigo, de modo que sinto que é a ele que devo o tom narrativo do romance.

    RSN

    Vila Velha, ES, janeiro de 2006.

    O navio negreiro Autor do livro: Castro Alves

    Inicialmente nós temos o eu-lírico cantando a beleza do alto mar, descrevendo os ventos nas velas, a fusão do céu e do mar, o brilho da lua e dos astros, as ondas do mar, a música que a brisa cria. Fala ainda de como o navio caminha sem deixar rastros e de como eram felizes aqueles que puderam contemplar toda a majestade dessas cenas.

    Depois ele fala da bravura dos marinheiros que cantam glorificando suas pátrias ou os versos de Homero ou ainda canções do passado, que desvendam os mares no qual Ulisses velejou e de como se tornam apenas filhos do mar.

    Mas então o eu–lírico descobre o que há no interior do navio. E então ele passa a cantar a horrorosa cena que vê de homens, mulheres e até crianças, “negras como a noite”, que dançavam como ordenava o chicote do capitão, provocando um horrível barulho. O eu–lírico, então, passa a descrever esses tripulantes: mulheres nuas, espantadas e com os seios suspensos; as crianças magras, com as bocas pretas suplicando por comida; os homens que dançam conforme o chicote e os velhos que se arquejam também com a mesma dor. E diante dessa cena os marinheiros e o próprio capitão riem-se e dão continuidade àquele horror.

    Depois de ver tal cena o eu–lírico se questiona por que Deus não interfere, por que os astros e o mar, o imenso mar, não apagam aquelas cenas. E ainda se questiona de quem são esses homens negros. A resposta é que são homens antes livres, bravos, que viviam em tribos andando nus, combatiam tigres e eram guerreiros gloriosos, mas agora eram míseros escravos. E os outros eram lindas crianças que depois mais lindas virgens se tornavam e agora eram mulheres desgraçadas, sedentas, abatidas e enfraquecidas, que carreavam no colo seus filhos que viam leite se transformar em choro junto às algemas que os prendiam a todos.

    O eu–lírico canta depois a mudança da vida destas pessoas. Fala como deram adeus aos amores, ao sono sem compromisso, às guerras que travavam pelo seu povo, às caças aos animais e à liberdade; e agora, sendo escravos, estavam em um porão apertado, sujo e infectado de doenças, sendo sempre acordados pelo barulho de um corpo sendo lançado ao mar, sentindo fome, sede e cansaço. Então mais uma vez o eu–lírico se pergunta se toda aquela cena era verdade ou se ele não estaria delirando. Pergunta a Deus por que não impede aquilo tudo ou por que o mar não interrompe aquelas atrocidades ou por que os astros não somem para que as cenas sejam apagadas.

    Concluindo, o eu-lírico se questiona sobre o país responsável por tal crime e ainda sobre como os heróis que lutaram pela conquista do Novo Mundo deviam se levantar e impedir que coisa tão horrorosa acontecesse em suas terras que já se aproximavam. 

    Por Rebeca Cabral