O ADVOGADO E O PERITO – Adriano Alves
E lá estava ele. Finalmente advogando. Mantendo a tradição
de duas gerações de sua família. Seu avô tinha sido um grande advogado no
interior, dono de uma das mais importantes bancas de advogado que o Estado já
vira. Seu pai também fora advogado. Formado na capital, em uma federal, e até
hoje militante.
E agora, finalmente ele também advogando. Tudo bem que teve
que comprar uma vaga em uma faculdade particular, pois não conseguira passar no
vestibular de uma federal de jeito nenhum. Tudo bem que passara a maior parte
do curso no quiosque perto da facul, bebendo caipirosca com os outros futuros
bacharéis. Tudo bem que se aproveitou do fato de seu pai ser conselheiro da
OAB, para dar um jeitinho de descobrir o gabarito e o tema das provas práticas
antes de todo mundo.
Mas nada disso importava mais. O que conta é a prática. O
importante é que agora estava lá advogando. Estava para começar a sua primeira
Audiência em um caso de homicídio. Seu cliente disparara dez vezes contra a
vítima. Mas ele estava disposto a provar que a vítima estava viva e que fora o
legista que a matara na hora da autópsia. Era uma tese impossível diziam para
ele, mas não importava ele era um grande advogado, como seu pai e seu avô. Estava
no sangue e ele se achava capaz de convencer qualquer um de qualquer coisa,
pois afinal tinha de ser muito competente para chegar onde ele chegara. Não era
para qualquer um não. E para ele não havia tese de defesa impossível não.
O juiz terminou sua inquirição e passou a palavra a ele para
que o advogado inquirisse o legista.
- Doutor perito legista, antes de fazer a autópsia, o senhor checou o pulso da vítima?
- Não senhor, doutor advogado.
- Doutor perito legista, o senhor checou a pressão arterial?
- Não senhor, doutor advogado.
- Doutor perito legista, o senhor checou a respiração? Falou empostando a voz e estufando o peito.
- Não senhor. Respondeu calmamente o legista.
Finalmente chegara o momento que tanto esperava para brilhar
sua estrela no caso. Tinha que ser teatral e fazer um ato forte para chocar
todos os presentes e mostrar-lhes seu brilhantismo intelectual.
De inopino, e com um sorriso no rosto, saltou da cadeira,
ficou de pé, deu um murro na mesa e, ato contínuo, colocou um dos pés na
cadeira em que estava, apoiando-se no joelho. Fitou a testemunha no fundo dos
seus olhos e perguntou:
- Então, é possível que a vítima estivesse viva quando a
autópsia começou?
O perito legista, impassível respondeu:
- Não senhor, doutor advogado.
Ainda mais sarcástico e incisivo o advogado retorquiu
fazendo voz de trovão.
- COMO O SENHOR PODE TER TANTA CERTEZA?
- Porque o cérebro do paciente estava num jarro sobre a mesa, doutor advogado.
E ainda fazendo voz de trovão e não se dando por vencido, disse o advogado:
- MAS ELE PODERIA ESTAR VIVO, MESMO ASSIM?
E o perito:
- Sim, doutor advogado, é possível que a vítima ainda estivesse viva sem o cérebro e cursando Direito em alguma faculdade por aí!!!